Eduardo de Almeida Reis – Coluna Tiro e Queda – Em – 16/05/2009
Leitores compulsivos de jornais temos admirações e antipatias. Só leio aqueles que admiro; passo batido pelos textos de gente que me é antipática. De vez em quando, contudo, não entendo absolutamente nada do texto de um dos meus gurus. Pode ser cansaço; deixo o texto para o dia seguinte. Se continuo não entendendo xongas, sou levado a crer que o guru embaralhou seu paquê mental.
No tempo das linotipos, o velocíssimo linotipista recebia as laudas datilografadas e linotipava as linhas de composição tipográfica, amarradas em paquê ou granel. As provas de paquê eram cotejadas pelo revisor com o texto datilografado na lauda. Tudo pronto, começava a paginação.
Deu-se que uma vez, na imprensa carioca, o paquê da crônica do philosopho caiu no chão e as linhas de composição tipográfica se embaralharam no chão da oficina. Um cidadão bem-intencionado tornou a amarrar as linhas e o texto, absolutamente ininteligível, foi paginado e publicado.
O leitor nem pode imaginar o tanto de elogios que recebi naquele dia: a humanidade baba para o ininteligível. Textos muito claros, muito bê-á-bás, soam infantis; textos obscuros dão a entender que o escriba alcançou patamar acima do nosso entendimento. Portanto, devem ser elogiados.
Nesse tempo, o jornal estava sendo reestruturado por empresa contratada, da qual fazia parte um engenheiro genial, o doutor Martiniano, que ficou meu amigo. Chamou-me a sua sala e perguntou: “Você ficou maluco? Não entendi nada!”. Mostrei-lhe a lauda original e matamos a charada: o paquê caiu, embaralhou tudo, amarraram as linhas à galega e a crônica foi publicada.
Aposentadas as linotipos, já não há granéis que possam cair no chão. Portanto, quando aparece um texto incompreensível de autor da melhor supimpitude – ininteligível não só por mim, modesto ex-produtor de leite, como também por leitores que respeito e admiro – sou levado a crer que o nosso guru foi vítima de uma desarrumação no seu paquê mental. Ou, então, está brincando com os seus fãs, o que também é possível.