Mesmo as senhoras que detestam o automobilismo de competição – que fingiam adorar na fase do namoro sem carteira assinada, 13º, férias e licença-prêmio – devem ter visto que, às vezes, um piloto vem a 300 km/h e se desvia de uma peça caída do carro que vai logo à frente.
Ora, 300 km/h correspondem a cinco quilômetros percorridos em um minuto, ou 83 metros em um segundo, isto é, quase o comprimento de um quarteirão. Se a peça cai poucos metros à frente do piloto, parece um milagre que ele consiga desviar seu carro.
Acontece que o rapaz não está dirigindo, está pilotando – e há diferença entre pilotar e dirigir. Pilotando, o sujeito vem aceso, tenso, com a adrenalina lá em cima; dirigindo, pode andar mais sossegado, mesmo quando anda depressa. Nas retas goianas e mato-grossenses, ao tempo das estradas federais sem buracos, pé direito no talo, dava tempo de olhar a paisagem sem que o sujeito estivesse pilotando.
Hoje, com as estradas cheias de buracos e de veículos de todos os tipos, das carretas imensas às motos conduzidas por principiantes – sempre com uma criatura ousada na garupa –, se o sujeito não pilotar, sifu.
Pausa para falar das garupas. Por mais feio e estranho que seja o motociclista – e alguns são estranhíssimos –, nunca lhes faltam companheiras nas garupas. De duas, uma: ou muitas mulheres têm espírito de aventura, ou está faltando homem na praça. Quase escrevi “acendrado espírito de aventura”, mas o adjetivo acendrado (acrisolado, apurado, purificado) pareceria um exagero para a senhora que viaja abraçada ao barrigão de seu namorado e senhor.
Dia desses, minha viagem era de quatro horas. Foi-se o tempo em que o philosopho encarava doze horas de volante e chegava inteirão. A primeira hora e meia transcorreu de olho nos buracos do Dnit: escapei de todos. Depois, entrei nas estradas do Aécio e do Anastasia, pavimentadas, sem buracos, paradisíacas – parecendo Primeiro Mundo.
Nelas, o cavalheiro pode philosophar. Philosophei. Considerando que no meu destino só existe um restaurante onde se pode comer decentemente, lugar limpo, de ótimo passadio e preços razoáveis, que só funciona a partir das 18h, resolvi: passo pela cidade, compro três pastéis e vou almoçá-los na roça, sozinho, enquanto aguardo a chegada dos donos da casa.
Resolvido o problema da comida – adoro pastéis –, continuei philosophando: não mereço beber cerveja produzida com cereais não-maltados. A Parati 99 transportava diversos barriletes de cervejas alemãs, mas os pipos de cinco litros pedem seis horas de freezer para ficar nos conformes e os pastéis seriam degustados, ainda quentes, no alpendre da roça.
Remoendo a indignação antecipada (não mereço tomar “cerveja” feita com cereais não-maltados), chego à casa rural com meu saquinho de pastéis, abro a geladeira e descubro, geladinha, uma garrafa de 600ml de cerveja decente; brasileira, mas decente. Aí, já viu, né? Pastéis, cervejota, charutinho e poltrona no alpendre, para tirar a soneca dos justos, que é também a dos idosos que acabam de pilotar durante quatro horas.
Eduardo de Almeida Reis – Coluna Tiro e Queda – Estado de Minas – 02/10/08