Eduardo de Almeida Reis – Pena Capital – 14.04.09
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Durante séculos, escrevi nos jornais que acalentava o sonho de ser nomeado conselheiro de um Tribunal de Contas. Primeiro, porque é empreguinho razoável; depois, porque é chique se chamado de conselheiro. O conselheiro Acácio, personagem do Eça, é das figuras mais divertidas da literatura em língua portuguesa e nos deu o adjetivo acaciano.
Certa feita, saudoso amigo que exercia a função de conselheiro do TCDF me disse: “Se você quer ser nomeado, vou te explicar como deve proceder”. Morri de rir do conselheiro, que acreditou em minha brincadeira. Caçoada que, felizmente, não passou das crônicas. A julgar pelas denúncias da imprensa sobre as falcatruas de conselheiros de diversos tribunais de contas, minha indicação teria sido faca de dois legumes: ou me indisporia com os colegas falcatrueiros, ou andaria na Justiça sob a espada de Dâmocles.
A história é tão divertida que merece repeteco. Dâmocles era um cortesão que vivia puxando o saco de Dionísio, o Velho, tirano de Siracusa. Aqui mesmo em Brasília, nos palácios, no congresso e nos ministérios, há Dâmocles a montões e às mãos-cheias. Do tanto que o chato invejou a felicidade do tirano, Dionísio fê-lo sentar-se no trono, mas botou sobre sua cabeça uma espada pendente de um fio, que a qualquer momento poderia romper-se. Com a espada, Dionísio simbolizou as inquietações do poder.
Ninguém pode viver sem sonhar. Agora, que desisti do cargo de conselheiro, meti-me na cabeça a ideia de ser nomeado diretor do Senado, coisa facílima: depende exclusivamente do doutor Sarney. Duvido que alguém, na mídia, tenha elogiado tanto quanto eu todos os Sarneys, a começar pelo deputado Zequinha, que acho um assombro.
Elogiei os livros do presidente do Senado, que não li e não gostei. Louvei aquela foto em que aparece de suspensórios e gravata, fingindo ler um livro, assentado sobre as raízes de imensa árvore existente na fazendola que comprou perto de Brasília. Calça de terno, sapatos engraxados, suspensórios e gravata, à sombra da árvore, sentado sobre uma das grossas raízes: tão emocionante, tão singular, tão adequado, que não me desgostaria pendurar a foto na parede do escritório.
Nada lhe custaria nomear-me diretor do Senado, salário-base de R$ 25 mil, terceirizado através de uma das empresas que prestam serviços à casa. Até me permito sugerir a função: Diretoria de Funcionários Desconhecidos. Sigla meio marota, mesmo não sendo oxítona.
Se as nações civilizadas mandam fazer túmulos do soldado desconhecido, nada mais justo que o Senado tenha funcionários desconhecidos e um diretor para cuidar deles todos. Sendo desconhecidos, o diretor está dispensado de os conhecer. Portanto, o diretor da Difude pode continuar morando longe do Distrito Federal, cujo clima é incompatível com a estocagem de charutos. Os R$ 25 mil devem ser depositados na conta bancária do zeloso diretor, sem esquecer férias, horas-extras e demais vantagens do cargo. São 12 ou 16 salários? O importante é que o número de horas-extras seja o máximo possível, porque a direção de funcionários desconhecidos deve dar um trabalho dos diabos.
Depreco ao leitor, isto é, suplico, imploro que leve estas bem-traçadas a sério, porque o assunto é seriíssimo. E o verbo deprecar pintou no pedaço impresso porque era da predileção do professor Jânio da Silva Quadros, o homem de vassoura, suposto titular de suposta conta numerada em suposto banco suíço.