Só PRAS MINERAS, OSOTRO LE SI QUÉ.

Oto Braga Netto  afirma que não é jornalista, não é  publicitário, nunca publicou crônicas ou contos – não é, enfim, literariamente falando, muita coisa, segundo suas próprias palavras.
Paulistano, mora em Belo Horizonte e ama Minas Gerais.

Ele diz que nunca publicou nada, mas a crônica que abaixo foi extraída do livro ‘As coisas simpáticas da vida’, Landy Editora, São Paulo (SP) – 2005, pág. 82. – foi ele que nos mostrou !

O SOTAQUE DAS MINEIRAS
(F.P.B. Netto)

O sotaque das mineiras deveria ser ilegal, imoral ou engordar…
Afinal, se tudo que é bom tem um desses horríveis efeitos colaterais, como é que o falar, sensual e lindo das moças de Minas ficou de fora?

Porque, Deus, que sotaque! Mineira devia nascer com tarja preta avisando: ‘ouvi-la faz mal à saúde’. Se uma mineira, falando mansinho, me pedir para assinar um contrato doando tudo que tenho, sou capaz de  perguntar: ‘só isso?’. Assino, achando que ela me faz um favor..

Eu sou suspeitíssimo. Confesso: esse sotaque me desarma. Certa vez  quase propus casamento a uma menina que me ligou por engano, só pelo sotaque.

Os mineiros têm um ódio mortal das palavras completas. Preferem,  sabe-se lá por que, abandoná-las no meio do caminho.

Não dizem: pode parar, dizem: ‘pó parar’ Não dizem: onde eu estou?,  dizem: ‘onde queu tô.’

Os não-mineiros, ignorantes nas coisas de Minas, supõem, precipitada e levianamente, que os mineiros vivem –  lingüisticamente falando – apenas de uais, trens e sôs.

Digo-lhes que não. Mineiro não fala que o sujeito é competente em tal ou qual atividade.

Fala que ele é bom de serviço. Pouco importa que seja um juiz, ou um  jogador de futebol.

Mineiras não usam o famosíssimo tudo bem. Sempre que duas mineiras se  encontram, uma delas há de perguntar pra outra: ‘cê tá boa?’ Para mim,  isso é pleonasmo.

Perguntar para uma mineira se ela tá boa é desnecessário. ..

Há outras. Vamos supor que você esteja tendo um caso com uma mulher  casada.

Um amigo seu, se for mineiro, vai chegar e dizer: – Mexe com isso não, sô (leia-se: sai dessa, é fria, etc)

O verbo ‘mexer’, para os mineiros, tem os mais amplos significados.

Quer dizer, por exemplo, trabalhar. Se lhe perguntarem com o que você  mexe, não fique ofendido. Querem saber o seu ofício.

Os mineiros também não gostam do verbo conseguir. Aqui ninguém consegue nada.

Você não dá conta. Sôcê (se você) acha que não vai chegar a tempo, você liga e diz: ‘- Aqui, não vou dar conta de chegar na hora, não, sô.’

Esse ‘aqui’ é outra delícia que só tem aqui. É antecedente obrigatório, sob pena de punição pública, de qualquer frase. É mais usada, no entanto, quando você quer falar e não estão lhe dando muita atenção: é uma forma de dizer ‘olá, me escutem, por favor’.

É a última instância antes de jogar um pão de queijo na cabeça do   interlocutor.

Mineiras não dizem ‘apaixonado por’. Dizem, sabe-se lá por  que,’apaixonado com’.  Soa engraçado aos ouvidos forasteiros. Ouve-se a toda hora: ‘Ah, eu apaixonei com ele…’

Ou: ‘sou doida com ele’ (ele, no caso, pode ser você, um carro, um cachorro)…

Eu preciso avisar à língua portuguesa que gosto muito dela, mas prefiro, com todo respeito, a mineira. Nada pessoal. Aqui certas  regras não entram.

São barradas pelas 20 montanhas.

Por exemplo: em Minas, se você quiser falar que precisa ir a um lugar, vai dizer: – ‘Eu preciso de ir..’   Onde os mineiros arrumaram esse ‘de’, aí no meio, é uma boa pergunta…

Só não me perguntem!   Mas que ele existe, existe. Asseguro que sim, com escritura lavrada em cartório.

No supermercado, o mineiro não faz muitas compras, ele compra um tanto de coisa…  O supermercado não estará lotado, ele terá um tanto de gente.

Se a fila do caixa não anda, é porque tá agarrano lá na frente. Entendeu? Agarrar é agarrar, ora!

Se, saindo do supermercado, a mineirinha ver um mendigo e ficar com pena, suspirará:  ‘- Ai, gente, que dó.’

É provável que a essa altura o leitor já esteja apaixonado pelas mineiras…

Não vem caçar confusão pro meu lado!

Porque, devo dizer, mineiro não arruma briga, mineiro ‘caça confusão’.  Se você quiser dizer que tal sujeito é arruaceiro, é melhor falar, para se fazer entendido, que ele ‘vive caçando confusão’.

Ah, e tem o ‘Capaz…’

Se você propõe algo a uma mineira, ela diz: ‘capaz’ !!!  Vocês já ouviram esse ‘capaz’? É lindo. Quer dizer o quê?

Sei lá, quer dizer ‘ce acha que eu faço isso’!?

Com algumas toneladas de ironia.. Se você ameaçar casar com a Gisele  Bundchen, ela dirá: ‘ô dó dôcê’.
Entendeu? Não? Deixa para lá.

É parecido com o ‘nem…’ . Já ouviu o ‘nem…’?  Completo ele fica: ‘- Ah, nem…’ O que significa? Significa, amigo  leitor, que a mineira que o pronunciou  não fará o que você propôs de jeito nenhum. Mas de jeito nenhum.
Você diz: ‘Meu amor, cê anima de comer um tropeiro no Mineirão?’.  Resposta: ‘nem…’   Ainda não entendeu? Uai, nem é nem.

Leitor, você é meio burrinho ou é impressão?

Preciso confessar algo: minha inclinação é para perdoar, com louvor, os deslizes vocabulares das mineiras. Aliás, deslizes nada.

Só porque aqui a língua é outra, não quer dizer que a oficial esteja com a razão.

Se você, em conversa, falar: ‘Ah,fui lá comprar umas coisas….’. ..  – Que’ s coisa? – ela retrucará.

O plural dá um pulo. Sai das coisas e vai para o ‘que’!

Ouvi de uma menina culta um ‘pelas metade’, no lugar de ‘pela metade’.

E se você acusar injustamente uma mineira, ela, chorosa, confidenciará :- Ele pôs a culpa ‘ni mim’.

A conjugação dos verbos tem lá seus mistérios, em Minas…

Ontem, uma senhora docemente me consolou: ‘preocupa não, bobo!’.

E meus ouvidos, já acostumados às ingênuas conjugações mineiras nem se espantam.

Talvez se espantassem se ouvissem um: ‘não se preocupe’, ou algo assim.

Fórmula mineira é sintética. e diz tudo.

Até o tchau, em Minas, é personalizado. Ninguém diz tchau, pura e simplesmente.

Aqui se diz: ‘tchau pro cê’, ‘tchau pro cês’. É útil deixar claro o destinatário do tchau…

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